UM FOLCLORE TRÁGICO-CÓMICO

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A estupidez e a ignorância, a ganância, a corrupção e o prazer do imediato presidem a uma civilização decadente que nos ofusca e desvia dos valores essenciais que era suposto dignificarem a Humanidade.

E, enquanto os donos do poder assobiam para o lado e inventam disposições legais que, aparentemente, os desresponsabilizam, o planeta caminha para o desastre final. Vejam só como as indústrias de altos riscos sanitários e ambientais, se preparam para contornar os regulamentos europeus, já muito favoráveis, ao conseguirem introduzir no texto um “princípio de inovação” que não é mais do que um modo hábil e disfarçado de criar condições para que as empresas lancem novos produtos, mais competitivos e mais lucrativos, sem constrangimentos, quer da Comissão Europeia, quer do Parlamento Europeu. (in-Politis, du 11 au 17 Avril 2019).

A seguir às tragédias, vem o espectáculo deprimente das ajudas, supostamente generosas e testemunho de sã solidariedade. Uma mascarada carregada de hipocrisia e de cinismo. Não ponho em dúvida a sinceridade e honestidade dos humildes, pois esses ainda são capazes de despir a camisa e dá-la a um pobre, mas, não posso aceitar que gente com responsabilidades políticas e institucionais ainda não tenham percebido como o “show-off” para as televisões mundiais, é quase zero, em termos de eficácia, para não dizer, pernicioso para os povos que estão a sofrer na pele as consequências das asneiras que os poderosos continuam a gerar, com os seus erros ambientais envenenados pela ganância e o desejo de lucros fáceis e chorudos. Quase me apetece dizer que, a seguir às calamidades, exibe-se o espectáculo do alívio da consciência pesada.

Pensemos um pouco. Não custa assim tanto

É caro, muito caro, fazer chegar ao local da tragédia toneladas e toneladas de alimentos e materiais de toda a sorte. Continua a ser caro e quase impossível, em muitas circunstâncias, distribuir equitativamente, pelos lesados, os produtos. Além disso, muitos dos alimentos apodrecem pelos caminhos, perdem-se em semideiros escusos, vendem-se nas feiras das calamidades, à beira de uma qualquer estrada, nos arredores das povoações.

Deixem-me dar um exemplo muito simples da irracionalidade destas pseudo-ajudas. Um pobre e esforçado camponês produz, com sacrifício, arroz, na sua machamba. Vem uma crise que lhe daria a oportunidade de vender o produto e conseguir algum dinheiro para comer, continuar a amanhar a terra, comprar capulana para a mulher, enfim, sobreviver.

Mas, quem vai comprar arroz ao camponês local, se os ocidentais despejam ali toneladas de mercadorias, gratuitamente? Quem lucra com a caridadezinha? Nunca são os locais. Matam a fome num dia ou dois, mas a malvada não morre, e a miséria aprofunda-se. Quem lucra com a ajuda, são os benfeitores exibicionistas, pois despejaram os armazéns, animaram a produção, revitalizaram a sua economia. O exemplo do arroz serve para todos os produtos enviados, sejam hospitais de campanha, sejam tendas ou materiais de construção.

Para que a ajuda produzisse efeito, deveria materializar-se em dinheiro para que as pessoas pudessem adquirir o que precisam, localmente. Há o necessário em Moçambique, ou num país vizinho, como a África do Sul, por exemplo. Assim, as populações ganhariam poder de compra, o comércio animava-se, as indústrias recebiam encomendas, os empregos apareceriam, a economia equilibrava-se.

“Há tanto para fazer, que até assusta”

Fazem falta técnicos habilitados e competentes, tais como professores, médicos, investigadores de várias áreas que ensinem os locais, que ponham a funcionar as escolas, os hospitais, os laboratórios, enfim as estruturas capazes de modernizar os países. Criem-se laboratórios que produzam localmente as vacinas necessárias e os remédios. Morre-se de malária, de diarreia, de diabetes, com uma frequência horrenda. Não se cuida das mulheres nem das crianças, sobretudo das meninas, como merecem. Há tanto para fazer, que até assusta.

Há que chegar a acordos internacionais que possibilitem a modernização dos países carentes. Eles têm riquezas que vão sendo roubadas por quem agora despeja ali umas ajudazinhas ridículas. O Governo moçambicano tem de lutar honestamente pelo seu povo, em vez de aproveitar as circunstâncias para engordar e proteger os mesmos do costume. É tempo de África pensar nos africanos, exigindo respeito e ajudas sérias, mas sem ódios antigos, nem falsos nacionalismos.

“Bom senso e honestidade, precisam-se”

Bom senso precisa-se. E honestidade. Haja a coragem de assinar acordos que apostem, sobretudo, na formação de africanos em todas as áreas estruturantes de um país. Na minha área, a educação, até arrepia aquilo que se passa. Em Nampula, por exemplo, quando por ali passei, havia uma universidade equipada com o que há de mais moderno, em termos de computadores, instalações, etc., mas não passavam de balões de vento. Os alunos não falavam, nem escreviam em Português, as teses eram ridículas e cheias de erros crassos. Sem consequências importantes para a formação de cidadãos interventivos, inovadores, funcionais.

Os diplomas são apenas papel, com muitas teorias, mas vazios de eficácia. E, pelos ecos que me chegam, as práticas não mudaram quase nada. Vento, vaidade, odres vazios. A Educação não pode existir em circuito fechado, muitas vezes, com diplomas políticos, sem conteúdo. A Educação será a solução para modernizar o País, mas uma educação funcional, prática, que dê ferramentas e capacidades para estruturar uma sociedade do Bem-Estar para todos.

Não dêem o peixe, ensinem a pescar. 

LEONEL MARCELINO