TERRAS DE BESTEIROS, TERRAS DE TONDELA

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As Marruges de Tondela

Conheço, há muito tempo, a Marruge de Tondela, incrustada na encosta oriental da Serra do Caramulo que, no dizer nobilitante, do Dr. José Júlio César, de S. João do Monte, é a “mais linda de Portugal”.

E passei a conhecê-la melhor quando, em 2014/2015, por lá andei, na elaboração do livro “CARAMULO – a magia da Serra e das Gentes”, lançado em 2016, tanto em Tondela como no Caramulo.

Na altura, erguia a minha voz de que, na Marruge, para virar o carro, tinha que o fazer no leito do rio, por falta de uma ponte, que hoje já existe, tanto mais que a anacrónica estradinha de há 40 anos, além de ser bem apertadinha, não tinha saída, como ainda hoje acontece, passados tantos anos.

Naquelas condições, a Marruge estaria condenada, como está, a desaparecer, assim que veja partir o último habitante idoso que ainda ali vai vivendo, rodeado de encantos, uma aldeia da freguesia de Barreiro de Besteiros, ainda hoje e julgo que por pouco tempo, em união com a freguesia do Tourigo.

De qualquer modo, segundo fontes fidedignas, a estrada de acesso ficou feita daquela forma, porque os confinantes com a via não deixaram que a Câmara Municipal de Tondela entrasse nos seus terrenos. Praticamente, foi deitado o alcatrão no velho caminho carreteiro, á excepção de um pequeno troço que vem do sítio das capelas.

Com uma estrada daquele jaez, é correcto dizer-se que ela não atrai a juventude, aqueles que, de algum modo, poderiam inverter a tendência da desertificação humana que a aldeia sofre inexoravelmente.

Alguém, nas redes sociais, vai dizendo que “é pena, quem nasceu na Marruge, como eu e viu há cerca de 40 anos atrás tantos jovens com idade entre os 5 e os 18 anos, era uma aldeia com muita vida. As terras todas cheias de milho e outras coisas, muitas videiras, muitas árvores de fruto. Belos tempos, que saudade!”.

E acrescenta: “O que mais gostava era pelo Carnaval, a brincadeira de enfarinhar e pôr ferrugem uns aos outros e, durante o mês de Maio íamos rezar o terço na capela. Só mocidade”.

E ainda: “Agora está tudo no fim, as terras todas cheias de silvas e as pessoas que ainda lá vivem, têm todas mais de 70 anos. Mas não há nada a fazer. É a lei da vida”.

Contudo, uma empresa ligada ao turismo rural, a “Ecovillage Marruge”, lançou uma “pedrada no charco”, com a animação de eventos turísticos, lançando concursos de fotografia – “Retratos de Marruge” – com distribuição de prémios, realização que acontece pela Pascoela que, este ano, recaiu a 27 de Abril e que, além de outras parcerias, contou com o apoio da CeisCaramulo, a que se associaram a “Pharmacia das Ervas”, o “AMA Castelões”, os “Yogurts NEST” e o “Manuel Costa – Mel”, para além, claro, do contributo da Casa do Povo de Barreiro de Besteiros.

Para aquilatarmos do trabalho que está a ser feito pela “Ecovillage Marruge”, atente-se naquilo que publica no seu site: “Marruge uma aldeia de montanha povoada por casas de xisto, espigueiros, anciãos e os seus caprinos e cruzada por uma vintena de nascentes de água cristalina, que rugem em cascatas, alimentando a flora e fauna ribeirinhas e os sonhos dos visitantes. Marruge Ecovillage ambiciona revitalizar a aldeia e ser um exemplo de resiliência, sustentabilidade, inovação e inclusão no mundo rural”.

A terminar, diz: “Esta iniciativa pretende destacar as gentes, a beleza, as tradições e o património natural e cultural da aldeia de Marruge, na União de Freguesias de Barreiro de Besteiros e Tourigo, concelho de Tondela, Serra do Caramulo, região de Viseu Dão Lafões, numa perspectiva de os valorizar e preservar”.

Numa eira de casa antiga, fez-se a festa, com petiscos tradicionais, à base de bola com sardinha em forno de lenha, pernil no espeto, doces regionais, cerveja artesanal e salgados vegetarianos, onde muita gente ali se demorou pela tarde fora, porque também houve animação cultural, com fado na eira, exposição de fotografia, filmes documentais sobre a Marruge, entrega de prémios na velha Escola, onde leccionou uma professora de Tondela que já não pertence ao número dos vivos, mostra de produtos artesanais e associações locais, missa pelo padre Vilarinho, com procissão de S. Frutuoso e Rancho Folclórico “Rosas do Tourigo”.

É claro que, as pessoas que ali acorreram e foram muitas, tiveram que deixar os carros bem longe do local do evento, à falta de uma estrada mais larga, de um espaço de aparcamento e sítio para dar a volta de regresso.

No concelho de Tondela não haverá muitas aldeias nas condições da Marruge, com estradas que apenas deixam passar uma viatura e não permitem o cruzamento com outros veículos e outras, naturalmente, também estarão à espera que o Município mande alargá-las, porque, se assim não for, a juventude foge delas como o diabo da cruz.

Sem acesso condigno, não há progresso nem desenvolvimento. A Marruge, por aquilo que ainda pode oferecer, bem merece que, finalmente, a sua estrada de acesso tenha o alargamento capaz para deixar cruzar duas viaturas em sentido contrário.

Se isso não acontecer, será o fim da Marruge, dentro de poucos anos, afinal uma aldeia fértil, também conhecida como a aldeia das 20 nascentes.