OS MUNDINHOS E O MUNDO DE TODOS

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POSTAIS DE LISBOASobretudo, a partir do século XVI, surge um movimento de ligação entre os diferentes continentes que originou que os homens, as coisas, as ideias, as crenças, as culturas, as maneiras de estar na vida, circulassem a uma escala planetária.

Pensava-se que, com o tempo, a difusão da informação, da alfabetização, a expansão das universidades, da ciência, enfim, do saber e da experiência, ajudasse a construir uma civilização cada vez mais globalizada, mais humanizada, mais inclusiva, mais justa, graças às conquistas adquiridas nos domínios da Ética, da Moral, dos Direitos Humanos, da Deontologia, enfim, registadas em diplomas elucidativos de como é possível viver em comum, com respeito pelo outro, com tolerância, em paz, com amor.

Infelizmente para todos os seres humanos, estamos a regredir e, nas próprias universidades, aparecem movimentos de culpabilização do colonialismo de todos os males de que padecem localmente, regionalmente, e, até, nacionalmente.

Pasmados no tempo, profundamente marcados por complexos racistas, sexistas, classistas e outros istas, culpam os antigos colonizadores de todas as suas incapacidades para se libertarem e conseguirem construir um mundo de felicidade para todos.

Agora, o colonizador, até é amarelo

Creio que o que está a acontecer com o novo tipo de colonização que a China está implementando a nível do planeta, com relevo para África, é bem demonstrativo de como os males de que padecem os povos, actualmente, não se devem só ao branco, tão odiado, pois, agora, o colonizador até é amarelo.

Se olharmos, por exemplo, para Moçambique, não será difícil comprovar como as florestas, as terras com regadios assegurados e, agora, até o mar, já pertencem aos chineses, sem esquecermos os projectos estruturais que vão desenvolvendo, em áreas diversas, em forma de oferta, talvez envenenada.

O racismo não tem cor

É fácil pregar o ódio ao branco, fazer um discurso em que tanto se culpa o racista Ted Smith, branco, como se defende o racista Mugabe, negro. Ambos foram seres abjectos, na medida em que desrespeitaram a dignidade da pessoa humana. O racismo não tem cor. Um racista é sempre uma bomba prestes a rebentar e a espalhar o ódio, com sequelas de miséria e de sofrimento.

Um racista, como um fundamentalista, um sexista, um classista, um tribalista, um nativista, um nacionalista, etc., vive cego pelo ódio ao outro, ao diferente. Quase sempre padecem de uma ciumeira doentia que não há centelha que ilumine.

O fraco, nunca perdoa

Talvez seja oportuno lembrar Martin Luther King, quando diz, por exemplo:

– “Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos”; “Temos de aprender a viver todos como irmãos ou morreremos todos como loucos”; “O perdão é um catalizador que cria a ambiência necessária para uma nova partida, para um reinício.” E, já agora, lembremos outro lutador pela dignidade da pessoa humana, Gandhi: “O fraco nunca perdoa”.

Viver é ajudarmo-nos uns aos outros

O perdão é a característica do forte”; “A lei de ouro do comportamento humano é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos”; “Olho por olho e o mundo acabará cego”; “Temos de nos tornar na mudança que queremos ver”. A terminar as citações, aqui deixo um provérbio macua: Okhala onokhalihaniwa – Viver é ajudarmo-nos uns aos outros a viver.

Quando, no tempo do Arcebispo Dom Manuel Vieira Pinto, eu e o Zé Luzia, com a ajuda de outros intervenientes, que também nunca esquecerei, organizámos o projecto da Rádio Encontro, propus o nome “Rádio Encontro”, precisamente porque tínhamos em mente desenvolver um trabalho que fosse útil a toda a comunidade, onde diariamente convivem e lutam pela vida, macuas, macondes, cristãos, muçulmanos, etc., etc., numa diversidade de etnias, culturas e religiões habituadas a partilhar a vida.

Sempre tivemos a preocupação de divulgar uma mensagem universal, para todos, e não apenas para os católicos. A propósito, nunca me esqueço de um episódio marcante, que já tenho lembrado, noutras circunstâncias. Eu e o Zé, tínhamos por hábito começar as emissões do dia, ainda bem cedo, com uma reflexão e umas palavras envolventes.

As potencialidades da Rádio Encontro

Um dia, quando viemos até ao pátio, durante um breve intervalo, fomos surpreendidos pela presença de um senhor de provecta idade, muçulmano, vestido com os seus mais belos trajes tradicionais, que viera, do fundo do mato, onde residia, de propósito para nos agradecer o prazer que as nossas palavras matinais lhe proporcionavam e, de certo modo, o inspiravam para começar bem o seu dia.

Infelizmente, os bispos que se seguiram a Dom Manuel Vieira Pinto, nunca perceberam as potencialidades da Rádio Encontro, o poder da sua possível mensagem, a força que pode e deve ter para ajudar à união das pessoas, ao respeito pela sua dignidade, ao desenvolvimento sustentado da região.

LEONEL MARCELINO*

  • Professor catedrático