
A caminhada dos seres humanos na Terra não tem sido nem fácil nem linear. A invenção do tempo, não só atrapalhou os nossos passos como, em muitas circunstâncias, os baralhou e arrastou para quedas impensáveis e de resultados catastróficos.
A vida é um desafio. Às vezes perde-se, às vezes ganha-se. Somos imprevisíveis. Somos humanos. Acho que o maior encanto da vida é precisamente a sua imprevisibilidade e a sua exigência de luta. Se até uma árvore luta para não morrer, faria algum sentido o homem ficar pasmado à espera dos milagres de Deus? Não há milagres.
Há combates que nos desafiam
Há lutas que temos de travar, há combates que nos desafiam. E há quem lute e há quem fique à espera dos frutos que os outros produzirem. Também na natureza há os parasitas. E, infelizmente, na nossa sociedade, há demasiados copinhos de leite à espreita dos frutos de alheia conquista.
Mas, não vale a pena protestar. Ninguém roubará, aos que lutam, o prazer incomensurável de ter triunfado, ou, de ter perdido. A luta, a convicção de que há um obstáculo contra o qual teremos de combater, só isso, já justifica a nossa existência.
Tristes daqueles que já nasceram com tudo. Dizem-me que, nos países nórdicos, se inventam obstáculos, se armam lutas para matar a horrível sensação de se ter tudo, de nada faltar, de deixar apenas o tempo passar. Não será por acaso que nestas sociedades em que já previram tudo, em que já criaram um bem-estar que os satisfaz, se aborrecem e se suicidam. Ou alinham em aventuras desafiantes e provocadoras pelo prazer de se sentirem úteis.
Quem se der ao trabalho de ler a História do Homem, aprenderá que a caminhada da conquista dos direitos e da dignidade da pessoa humana foi das mais difíceis, lentas e mortíferas.
E, no entanto, quando se pensava que era obrigação da Humanidade alargar os benefícios a todos os seres humanos, todos os dias nos surpreendemos com os ecos que nos vão atingindo de horrores , de fomes, de desastres, de acções de figuras sinistras que, por alguma circunstância chegaram ao poder, se arrogam o direito de escravizar os outros e ter a soberba de pensar que são donos da verdade e que quando o povo morre de maus tratos, de fome, de doenças, enfim, de abandono, a culpa nunca é de quem manda, mas de quem, em vez de obedecer cegamente, ousou pensar e assumir a luta pela vida.
Os outros são carne para canhão
O ditador acha que só ele pode ter o prazer de lutar, que só ele pode pensar, que só ele tem capacidade para governar. Os outros são carne para canhão, uns ignorantes, uns tontos. São servos. Apenas servos. Obedecem. Fazem o que lhes mandam fazer. São zeros. E, se forem obedientes (leia-se: escravos), serão felizes e hão-de sentar-se à mesa do banquete. Os ditadores nunca pensam que isso vai contra a natureza da pessoa humana.
Há algo dentro de nós que nos atira para a luta, que nos desassossega, que faz de nós, gente.
Há uma ânsia pela descoberta, uma angústia de nos sentirmos incompletos, de querermos saber mais e mais. Procuramos respostas. Interrogamos e interrogamo-nos. Queremos sentar-nos à mesa do banquete, mas nunca sem combate, um combate que o justifique. Dado? Só se sentirmos que algo fizemos para o merecer.
LEONEL MARCELINO(*)
(*) Professor catedrático