COMBATENTES DO ULTRAMAR: Homenagear os mortos e honrar os vivos

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No dia 15 de Setembro (Domingo), a Associação Nacional dos Combatentes do Ultramar (ANCU), com sede em Tondela, comemorou os seus 37 anos de existência ao serviço dos combatentes.

O programa foi variado e iniciou-se com uma recepção, logo pela manhã, aos combatentes de vários pontos do país, desde Cascais ao Minho, na sua sede social, na antiga Escola Conde de Ferreira, conhecida como “Escola da Feira”, seguindo-se a homenagem aos combatentes mortos nas ex-províncias ultramarinas, junto ao monumento aos combatentes, na rotunda interior do Fojo, com a presença do presidente da Câmara Municipal de Tondela, José António de Jesus, dos representantes da Assembleia Municipal, do representante da Junta de Freguesia de Tondela/Nandufe, entre outras personalidades convidadas, militares e civis.

Na base do monumento, que mostra a cartografia do tempo das descobertas, foram colocados ramos de flores por todas as associações de combatentes presentes, em recordação dos que morreram no Ultramar, cujos nomes se encontram na laje, entre as 49 bestas, que simbolizam os militares do concelho de Tondela que da lei da morte se libertaram, sendo ainda observado um minuto de silêncio.

Seguiu-se a sessão solene no Auditório Municipal e a missa de sufrágio na Igreja do Carmo, um valioso património religioso legado aos tondelenses já no século XVI, que foi celebrada, expressamente, pelo bispo da Diocese, D. António Luciano que, no seu tempo de juventude, ao serviço do Exército, também prestou serviço militar no Ultramar, como Furriel Enfermeiro, tendo proferido uma brilhante e bem sentida homilia, que calou bem fundo em todos aqueles que não quiseram perder este piedoso acto.

Finalmente, no espaço social e festivo da SMIR, em Molelos, foi servido um magnífico almoço, que se prolongou pela tarde fora e no qual igualmente participou o Bispo da Diocese, em solidariedade para com aqueles que, como ele, serviram a Pátria.

  • “CUMPRIMOS E A PÁTRIA ESQUECEU-NOS”

Na sessão solene, com a plateia bem composta, formada a mesa, a que presidiu o presidente da Assembleia-Geral Coronel Sanches, usaram da palavra várias personalidades, entre as quais o presidente do Município de S. Domingos (Cabo Verde), Clemente Garcia, em Tondela, por uns dias a convite da Câmara Municipal, pela altura do Feriado Municipal.

No seu discurso, o presidente da direcção da ANCU, António Ferraz, agradeceu a presença de todos, lembrando que os combatentes que restam, disse que “somos a geração que sofreu a guerra”. “Ainda vivos, andamos perto dos 700.000, com a idade média de 72 anos”, salientou o zeloso e dinâmico dirigente.

“E, quando se aproxima o fim das nossas vidas, saber que o nosso esforço, o nosso sacrifício, a saúde e a vida perdida por muitos, foram inúteis e infelizmente, uma ou outra geração que detinha os destinos do país não soube entender e muito menos acompanhar a evolução da humanidade. Mas chamados ao dever, que então era entendido como patriótico, cumprimos e a Pátria esqueceu-nos”, sublinhou.

Para si, aqueles que hoje detêm os destinos do país, “desprezam-nos ou, pelo menos, ignoram-nos. Entendem que temos sido enganados, que teremos sido enganados na nossa missão e por isso os actuais dirigentes não dizem, mas evidenciam que nada têm a ver connosco. Quase chocarreiros parecem dizer-nos, ‘quem vos fez dançar que vos pague”, sustentou António Ferraz.

  • E PORQUE NÃO APENAS UMA ASSOCIAÇÃO?

A finalizar o seu discurso, António Ferraz deixou o caminho aberto, não a muitas associações de combatentes, mas simplesmente a uma e, neste caso, a Liga dos Combatentes, mas que os seus estatutos não o permitem, uma vez que a Liga é quase como um “prolongamento” do Estado e os combatentes querem um órgão legítimo, onde haja liberdade e democracia e isso só com novos estatutos. Uma associação de antigos combatentes, para si, “não é um quartel”…

O Dr. António Ferraz, falava da sobranceria da Liga que, convidada a estar presente, nenhum dirigente se dignou a comparecer.

  • UM DEVER DE SERVIR A PÁTRIA

No uso da palavra, o presidente do Município de Tondela, saudou o presidente da ANCU, salientando “a sua tenacidade, veemência e, acima de tudo, pela matriz, tão profunda, de convicções, que traz a esta causa”.A geração que há quase meio século terminou uma guerra, não esteve nela envolvida por convicções ideológicas, esteve, em primeiro lugar, por um dever de servir a Pátria, um dever de missão, um dever que lhe foi imposto na circunstância que é conhecida”.

Para si, era importante perceber que hoje, muitos, se não quase todos, iam para uma missão sem saberem, em concreto, o que é que os esperava. E hoje, homenagear os mortos, “se outra razão não tivesse, tem o mérito de invocar uma parte da nossa história que não podemos ocultar, mas sim, compreender, para poder explicar”.

O Estado enquanto garante da coesão territorial, o mesmo Estado que chamou tantos para partirem sem saberem para onde, “tem hoje um dever que não pode ocultar, o dever da dignidade daqueles que o serviram, o dever da solidariedade daqueles que participaram nessa causa”. Evocar este aniversário, para o autarca, era dizer a todos que “não podemos deixar de ter presente aquilo que foi esta missão, este serviço, repito, sem ideologia para a generalidade daqueles que então largavam as suas portas, ao serviço da Pátria”.

  • “PORTUGAL DEVE-VOS O RECONHECIMENTO
  • DA DIGNIDADE”

José António de Jesus referiu a “parceria e a cooperação” com a ANCU, pois “sabemos bem da importância de ter um serviço de stress de guerra e de lhe proporcionar meios para que ele possa ser operacionalizado, mas sabemos que aquilo que fazemos é algo muito diminuto à escala daquilo que o país deve fazer”.

Deste modo, quis exortar todos os combatentes para que “mantenham firme esta convicção, inabalável, este princípio e, acima de tudo, forte esta coesão que aqui está. Portugal deve-vos, nós, país, devemo-vos esse sentimento de reconhecimento, de dignidade, de solidariedade e acima de tudo, de união com todos”.

“Estes 37 anos que sejam um percurso que jamais apague a nossa história, que jamais deixe de vincar estes valores, porque o suor de tantos, as lágrimas de muitos e o sangue que tantos deixaram nesses combates, não poderão ser uma causa perdida. Geralmente olhamos para os ex-combatentes como alguém que promoveu a guerra, mas a história dir-nos-á que foram os primeiros a contribuir para a paz. Se hoje vivemos em democracia é essa razão, o vosso contributo, porque certamente sem esse empenho não teríamos tido um 24 de Abril”, concluiu.

ZÉ BEIRÃO