ANGOLA, ENTRE QUICABO E BALACENDE, nas Sete Curvas… Dia 14 de Março de 1973…

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Aconteceu no dia 14 de Março do ano distante de 1973. Esta data ficará, para sempre, marcada na minha memória, pelo trágico e terrivelmente triste que ela recorda – o relato do então furriel Joaquim Rosa

Dia 14 de Março: comemoração de mais um aniversário do movimento de libertação da U.P.A. (União Popular de Angola).

O Pelotão de Morteiros 3063, do qual eu fazia parte, encontrava-se de folga, se assim se pode chamar a um dia de descanso em zona cem por cento operacional nos Dembos, norte de Angola, depois de uns quantos dias de trabalho monótono mas exaustivo.

Era assim para todos os grupos operacionais sob a dependência do Batalhão de Caçadores 3838, cujo comando se encontrava aquartelado em Quicabo, ponto importante pela sua estratégia em plena zona dos Dembos.

Protecção às obras da estrada da JAEA

Muita concentração e vigilância, muita monotonia, muito suspense. Os trabalhos de construção da estrada de asfalto assim o exigiam mas, palmo a palmo, ela lá continuava… e os militares teriam de lá estar diariamente, fizesse sol, houvesse chuva ou estivesse cacimbo. Sim, os militares lá estavam com o seus nervos em permanente tensão, para proteger os trabalhadores da J.A.E.A. (Junta Autónoma das Estradas de Angola).

Este trabalho de protecção, ao qual se dedicava sempre um grupo de combate, era denominado “Frente de Quicabo”.

Nesse dia, sábado, não era o meu pelotão, Pelotão de Morteiros, que fazia esse serviço. Como já disse, eu estava de folga. Por esse facto, levantei-me tarde, pelas nove horas matinais, com o corpo alagado em suor, devido ao enorme calor tropical que se fazia sentir no aquartelamento de Quicabo.

Grande silêncio e estranheza

A primeira coisa que noto, ao acordar, não sem um pouco de estranheza, é que todos os outros furriéis, camaradas de quarto – se assim se pode chamar a uma espécie de paiol que nos serve de alojamento – já tinham saído.

Grande silêncio, foi também uma nota de surpresa para mim. Muito silêncio em relação aos outros dias, claro está. Essa surpresa, porém, nada tinha de preocupação, em virtude de as situações inesperadas durante a minha comissão em Angola serem frequentes, ao ponto de fazerem parte do habitual.

Sem pressa, encaminho-me para o chuveiro improvisado e, durante minutos, senti o prazer da frescura que a água me proporcionava. Depois, visto-me calmamente, após o que me dirijo em direcção à Messe de Sargentos.

Abro a porta mosquiteira, ao mesmo tempo que vou até ao balcão. Ninguém, porém, se encontra por detrás dele. Tampouco alguém se encontra na Messe.

Que teria acontecido?

Aborrecido, pois o meu sumo de pêssego que tencionava tomar, teria que esperar, saio da sala e olho em redor. O céu estava límpido e o sol era abrasador…

Grupo “Frente de Quicabo” emboscado

Mas, que vejo eu lá ao fundo, junto ao arame farpado?

Nada mais do que quase todo o pessoal do aquartelamento, formando um grupo compacto que olha atento e ansiosamente em direcção à estrada que conduz a Balacende.

Intrigado, junto-me ao amontoado de militares, cruzando-me com o primeiro-sargento do meu grupo, Silvano, que, com ares bastante sérios, me diz:

– Já sabe o que se passou?! Uma emboscada…

Sinto que o meu coração dá um salto de surpresa e uma certa ansiedade, dotado de uma determinada emoção interior, em virtude de uma emboscada ser um acontecimento de escape à tensão de nervos que me assolava e um modo de quebrar a monotonia de treze meses de comissão em constante expectativa…

Olho para o primeiro-sargento Silvano que concluiu, afastando-se:

– Emboscada na “Sete Curvas”. Foi o Grupo “Frente de Quicabo”.

Soldados mortos e desaparecidos

Não querendo ouvir mais nada, corri para onde julgo que me explicarão detalhadamente o sucedido.

Alguém, aflito e enervado, me conta que o furriel Henriques sofreu uma emboscada, foi abatido, não se tendo apurado ainda o número de mortos que as nossas tropas sofreram.

– Sim – informaram-me – as nossas tropas já têm mortos e alguns desaparecidos…

O homem das transmissões nada mais disse.

– Mas como diabo aconteceu isso? – perguntei eu, agora bastante abatido perante a gravidade da situação.

Chacina e barbaridade

O resultado do infeliz acontecimento traduz-se em chacina e barbaridade dos guerrilheiros da UPA. O inimigo provocou cinco mortos, que mutilaram, causando golpes profundos de catanada, uma das quais comum a todas as vítimas, ou seja, nos órgãos genitais.

Lá se encontrava também, entre os mortos, o amigo Furriel Henriques, que comandava neste dia, esta “Frente de Quicabo”… Foi ele, mas podia ter sido eu, não estivesse de folga…

Feriram um soldado condutor, o Lobo, que conduzia o segundo “unimog” e fizeram um prisioneiro, também condutor, chamado Damas, que mais tarde eu soube terem levado para o Congo.

Em contrapartida e, como resposta, o inimigo sofreu três baixas mortais, originadas pela G3 do primeiro-cabo Araújo.

Tenho a certeza de que eu, ali, perante este acontecimento, envelheci anos…

Ainda me lembro muito bem da forma como cortei com os dentes o cigarro que fumava, quando vi os meus camaradas mortos, mas já sem camuflados…

  • Joaquim Rosa
  • (Furriel do Pelotão de Morteiros 3063)
  • NOTA – Programa em execução. Faltam fotografias…
  • NOTA 2 – As fotos do texto, são de arquivo de velhos combatentes e são da responsabilidade do “Beirão Online”. Há dificuldade na utilização das fotos do Joaquim Rosa. Os subtítulos e sublinhados são do nosso  jornal digital.